Cuidados com o terreno: preparando o espaço para se regenerar

Por: Admin - 04 de Agosto de 2025
Cuidados com o terreno: preparando o espaço para se regenerar
Nos textos anteriores desta série discutimos os fundamentos da recuperação de áreas degradadas: o que caracteriza a degradação, as diferenças conceituais entre recuperação, reabilitação e restauração ecológica, além da importância de um diagnóstico ambiental bem estruturado – incluindo aspectos como solo, vegetação, recursos hídricos, topografia, legislação e contexto socioeconômico. Com base nesse diagnóstico, passamos agora à aplicação das principais metodologias físicas de recuperação. Neste texto, abordamos os cuidados com o terreno, principalmente a reconfiguração do terreno, um passo muitas vezes necessário para restabelecer o equilíbrio hidrológico e a estabilidade estrutural da paisagem.
A reconfiguração do terreno é essencial em áreas em que houve a perda da cobertura vegetal, compactação ou movimentação do solo, degradação da drenagem natural e, sobretudo, erosão hídrica. O objetivo é estabilizar encostas, promover a infiltração de água, reduzir o escoamento superficial, controlar processos erosivos e criar condições físicas mais adequadas para o retorno da vegetação. Abaixo tem-se os principais tipos de reconfiguração e as técnicas associadas.
- Suavização de taludes e reconfiguração de encostas: Taludes com declividades acentuadas (ou verticalizados em 90°), especialmente em solos desnudos ou mal estabilizados, são altamente suscetíveis a processos erosivos e deslizamentos. A redução da inclinação (preferencialmente abaixo de 30° ou conforme o tipo de solo e uso pretendido) permite maior estabilidade e viabiliza a revegetação. Taludes suavizados devem ser protegidos com vegetação pioneira ou com técnicas de bioengenharia.
- Reconformação de drenagens naturais: A degradação frequentemente altera os cursos d’água por meio de assoreamento, canalizações ou cortes. Ou ainda, as águas pluviais mal direcionadas podem causar graves erosões. Nesses casos, é recomendável redesenhar o relevo para restaurar a dinâmica natural da drenagem, facilitando a infiltração da água e o restabelecimento do equilíbrio entre as águas superficiais e subsuperficiais.
Importante mencionar também, que em terrenos reconfigurados pode ocorrer a instalação de processos erosivos em eventos de precipitações intensas. Nestes casos, podem ser adotadas as seguintes técnicas para evitar este tipo de problema.
- Curvas de nível: A prática de modelar o terreno com sulcos, camalhões ou patamares ao longo das curvas de nível reduz a velocidade da água, aumentando o tempo de contato com o solo e favorecendo sua infiltração. É base para muitas outras técnicas.
- Bacias de contenção e terraços: As bacias de contenção são cavidades escavadas para interceptar e reter a água das chuvas, permitindo que ela infiltre gradualmente no solo. Já os terraços agrícolas são faixas planas construídas transversalmente ao declive e intercaladas por taludes ou cordões. Além de reter água e sedimentos, evitam o escorrimento superficial e podem ser utilizados para plantio direto. Vale salientar que os terraços são especialmente eficazes em áreas com declividade entre 8% e 20%.
- Cordões vegetados ou de pedra: São barreiras construídas com resíduos vegetais (galharia, ramas, folhas) ou pedras, dispostas ao longo das curvas de nível. Sua função é dissipar a energia da água, favorecer a sedimentação de partículas e formar microambientes úmidos para a regeneração da vegetação. Esta técnica é especialmente interessante nos casos em que se tem estes materiais disponíveis e eles podem estar sendo um problema.
Outro ponto necessário de atenção é a umidade presente no solo. Na fase de diagnóstico, e principalmente durante a execução, usar o que tem disponível no espaço para garantir que se tenha umidade suficiente para gerar cobertura de solo e criar ambientes ricos de biodiversidade para potencializar a recuperação do espaço. Nesta seara citamos aqui algumas técnicas que podem contribuir para isso.
- Valas de infiltração (Swales): São escavações rasas e longas, feitas ao longo do contorno do terreno, que captam a água da chuva, reduzem a velocidade do escoamento e promovem a infiltração. São amplamente utilizadas em projetos de agroflorestas e regeneração ativa, sendo recomendadas especialmente em áreas de transição entre talude e plano.
- Terraços de infiltração: Além de controlar erosões, os terraços contribuem significativamente para aumentar a retenção de água no perfil do solo. Eles podem ser preenchidos com matéria orgânica e usados em conjunto com técnicas como valas ou cordões vegetados, formando verdadeiras estruturas de recarga hídrica.
- Cobertura morta (mulching): A aplicação de matéria orgânica (palhada, folhas secas, cascas, galhos triturados, entre outros) sobre o solo reduz a evaporação, amortece o impacto das gotas de chuva, impede o desenvolvimento de plantas invasoras e melhora a estrutura do solo ao longo do tempo. Alguns estudos demonstram que a cobertura morta pode reduzir em até 60% as perdas de umidade por evaporação em ambientes tropicais.
Por fim, mas não menos importante, deve ser considerada a rápida cobertura vegetal do solo nos casos em que ocorrer a reconfiguração / remodelação / reconformação / readequação do terreno. Como foi apresentado aqui, o uso de recursos disponíveis no próprio local, como pedras, restos vegetais e o solo escavado, está alinhado com os princípios da engenharia natural e da sustentabilidade. Essas soluções reduzem custos, favorecem e potencializam a restauração do espaço. Ainda, quando for um projeto em comunidades, a utilização destas técnicas favorece a participação comunitária e aumentam a aceitação social do projeto. Desta forma, e quando possível, devem ser priorizadas técnicas manuais ou semimecanizadas que respeitem a dinâmica local e minimizem novos impactos.
Fique conosco, pois no próximo texto ainda abordaremos o assunto de cobertura do solo, com o uso de espécies de rápido crescimento e que contribuem para aumentar a disponibilidade de nutrientes no solo.
Sempre tenha em mente que cada decisão técnica bem embasada aproxima uma área degradada de voltar a gerar vida, serviços ambientais e valor para a sociedade.
Até a próxima!