Por: DuoTeB - 03 de Julho de 2024
Saiba mais sobre Inundações no Vale do Taquari em setembro de 2023
O Rio não é bom ou mau, é o RIO.
Ele nos dá alimento, hidratação, diversão, transporte, paz, dinheiro, mas também nos causa medo, espanto e horror.
Por esses dias, estamos acompanhando com tamanha tristeza todos os acontecimentos ocorridos a partir da tarde do dia 04/09/2023. O Vale do Taquari vive, provavelmente o momento mais trágico de sua história. Foram dezenas de mortes registradas até o momento, e infelizmente a tendência é que este número aumente ainda nos próximos dias. Foram tantos e tantos lares destruídos e danificados. Prejuízos ambientais e econômicos incalculáveis.
Como seres humanos que somos, temos anseio de encontrar culpados. No entanto, este momento requer união e coletividade para pensar, repensar e planejar detalhadamente para evitar novos eventos catastróficos como este. Apresentamos aqui um breve histórico dos acontecimentos que foi possível obter nos registros em diferentes canais de comunicação. Ressaltamos que este histórico não tem qualquer intuito de apontar culpados, mas servirá para repensar a nossa atuação futura. Novamente, não é para apontar culpados.
O Rio Grande do Sul tem passado por diversos eventos meteorológicos extremos ao longo do ano de 2023. Somente nos meses de junho e julho foram quatro ciclones extratropicais[1] que causaram perdas de vidas humanas e estragos socioeconômicos e ambientais de grande monta. Os meteorologistas da Defesa Civil Estadual comentaram[2] sobre os ciclones extratropicais no Estado, bem como dos grandes volumes de precipitação em curto espaço de tempo.
Este evento catastrófico na Bacia Taquari Antas começou a acontecer dias antes do seu ápice na porção baixa do Vale do Taquari. A MetSul Meteorologia alertava[3] em 31 de agosto sobre chuvas extremas, tempestades e inundações no início do mês de setembro. Ainda nesta esteira, o mesmo canal emitiu alerta[4] em 01 de setembro para precipitações com volumes excepcionais de até 300mm a 500mm nos primeiros 10 dias do mês. A Defesa Civil Estadual também emitiu diversos avisos e alertas[5] sobre temporais, eventual queda de granizo e rajadas de vento desde o dia 1º de setembro.
As precipitações iniciaram no sábado (02/09) e seguiram até a noite de segunda feira (04/09). Nos dias 2 (sábado), 3 (domingo) e 4 (segunda-feira) foram registrados volumes expressivos em diversos pontos mais altos da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas. Na região de Passo Fundo ocorreram diversos problemas em função das chuvas. A GZH noticiava[6] volumes de 328mm em apenas quatro dias em Passo Fundo, causando diversos problemas com danificação de casas, estradas destruídas e moradores ilhados. A MetSul trazia um compilado[7] de informações de estações oficiais sobre as precipitações no Estado, em especial da porção alta da bacia, ficando superior a 200mm. Ainda na reportagem da MetSul, tem-se registros de 291mm em Passo Fundo, 281mm em Serrafina Corrêa, 225mm em Cambará do Sul e 211mm em Vacaria nas estações do INMET. Em três dias, nas estações do CEMADEM foram registrados 310mm em Passo Fundo, 279mm em Vacaria e outros montantes significativos na parte alta da bacia. Ainda na reportagem da MetSul, foram elencados dados de estações particulares na região de Passo Fundo (346mm) e Carazinho (389mm). Portanto, as precipitações volumosas previstas por alguns organismos para a Bacia Hidrográfica Taquari/Antas se concretizaram.
Ainda nesta esteira, cita-se dois exemplos dos problemas causados pelas precipitações já no final do domingo, dia 03/09. O município de Santo Antônio do Palma, localizado nas cabeceiras do Rio Guaporé, registrava fortes chuvas e inúmeros pontos de alagamentos ainda no final do dia 3 de setembro, intensificados na madrugada e início da segunda feira. Conforme dados da região, a precipitação no município superou os 350mm.
Toda água que precipitou nas porções mais elevadas da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas teria que passar por algum lugar. E rapidamente pode-se perceber por onde isso aconteceria. Os rios e arroios encheram entre o final do domingo e início da segunda feira, culminando com a elevação rápida dos afluentes do Rio Taquari/Antas. Na segunda pela manhã já era possível perceber a elevação dos maiores afluentes e do Rio das Antas. No entanto, o primeiro “alerta para enxurradas, cheias de rios, inundações gradativas” da Defesa Civil Estadual aconteceu somente no dia 04 de setembro às 10h22min[8]. Neste momento, o nível do Rio das Antas, na altura da cidade de Santa Tereza[9] já era 2,5x superior ao início do dia 03 de setembro.
Outra situação agravante ao cenário atual, é a ocupação ilegal das Áreas de Preservação Permanente – APPs dos cursos hídricos ao longo da história. Apesar de se ter legislação desde o Código Florestal de 1965, Lei Federal 4.771[10], pouco foi feito no sentido de controle e fiscalização da ocupação destes espaços. A referida lei mencionava que a APP teria largura conforme a largura do curso hídrico. No entanto, era mais conservadora e protetiva quando se referia que a medição a APP iniciava “desde o nível mais alto” da água, ou seja, a partir do ponto de maior inundação. Esta medida apresentava critério mais restritivo e protetivo para a vida humana e questões ambientais.
Entretanto, o que vemos nos últimos anos é movimento contrário com aproximação da ocupação humana dos cursos hídricos. No início e meados de 2021, logo após a maior inundação em 64 anos no Vale do Taquari[11], houve movimento para redução das APPs do Rio Taquari. Neste período, veio ao conhecimento do grande público, que tem-se ventilado na região a redução das APPs do Rio Taquari[12] com apoio de diversos chefes do executivo da região.
Somando a ocupação ilegal das APPs dos cursos hídricos, tem-se um agravamento da degradação destes espaços com o passar dos anos. A falta de políticas públicas de fiscalização, conservação e recuperação destes espaços. A falta de educação sobre a importância da preservação das APPs. O uso inadequado para diversos tipos de atividade, principalmente agropecuária e ocupação urbana. Estes e outros aspectos tem agravado a situação degradacional em que se encontram as margens de quase a totalidade dos cursos hídricos da região baixa do sistema hidrográfico Taquari-Antas.
Aliado a isso, o uso intensivo e a utilização de práticas inadequadas na agropecuária tem gerado significativo prejuízo ao solo. O que se vê é a degradação constante e a intensificação de processos erosivos e perda de solo, principalmente nas lavouras de cultivos anuais. A perda de solo na agricultura acarreta em assoreamento dos cursos hídricos. Consequentemente, gera diminuição da profundidade do leito e aumento da área de ocupação das águas em eventos de cheias e inundações.
Ainda sobre a degradação do Rio Taquari e suas margens, tem-se grande gama de fatores de degradação neste importante curso hídrico. Pode-se citar[13] a poluição hídrica por diferentes tipos de poluentes (sendo os principais os esgotos industriais e efluentes sanitários, dejetos animais, agrotóxicos e diversos tipos e grandes quantidades de resíduos sólidos), erosões de grandes proporções em seus taludes, assoreamento devido a uso inadequado do solo, desmatamento e ocupações irregulares em suas margens, péssima qualidade da água[14], degradação extrema com dificuldade ou mesmo incapacidade de recuperação sem intervenção[15]. Estes e outros problemas tem ocasionado a deterioração do Rio Taquari.
O sistema de monitoramento do Serviço Geológico do Brasil - CPRM[16] apresentou falhas e parou de funcionar nas estações de Muçum, Encantado e Estrela. Justamente no período mais crítico, o sistema apresentou instabilidade e falha. Em algumas das estações, como a de Muçum, voltou a funcionar no dia 08/09. No entanto, em Encantado e Estrela não estava funcionando até o dia 09/09.
Outro ponto importante é a publicação da Política Nacional de Defesa Civil em 2012, a qual prevê, dentre outros objetivos, a redução dos riscos de desastres e produzir alertas antecipados sobre a possibilidade de ocorrência de desastres naturais. No entanto, um item extremamente importante que prevê a identificação e mapeamento das áreas de risco de desastras, delegado para competência municipal, pouco ou nenhum avanço ocorreu neste sentido.
Considerando os acontecimentos recentes e histórico de eventos hidrológicos na região do Vale do Taquari, resta claro que precisamos evoluir e avançar em vários pontos. Neste sentido, elencamos aqui alguns itens que devem ser considerados para diminuir e evitar danos em novos eventos catastróficos como este.
- Comunicação efetiva:
- Buscar mecanismos para facilitar a comunicação entre as defesas civis. Isso entre a Defesa Civil estadual com as municipais e entre as defesas civis de cada município afetado pelas inundações do Rio Taquari e Afluentes;
- Estruturação das Defesas Civis municipais com profissionais qualificados e treinamentos periódicos para que possam trabalhar com excelência;
- É fato que as inundações não escolhem horário para acontecer, uma prova disso é que o evento da primeira semana de setembro foi ainda mais catastrófico porque ocorreu na madrugada nas regiões de Roca Sales e Muçum. Isso potencializou a perda de vidas e os danos. Neste sentido, deve-se avaliar a implantação de sistema de avisos locais, ou com mensagem de texto ou com sirenes;
- A maior parte da população possui pouca compreensão sobre os eventos climáticos e sobre como reagir em alertas de eventos hidrológicos extremos. Neste sentido, deve-se ampliar a conscientização sobre os eventos climatológicos, sobre inundações, sobre escorregamentos, entre outros. Além de fazer isso nas escolas, ampliar a oferta de informação com treinamentos rápidos e cartilhas com orientações;
- Sistemas de previsão, alerta e monitoramento:
- Investimentos em sistemas de previsão, principalmente para o montante de precipitação ocorrente em determinado local. Implantação de estações pluviométricas nas porções da cabeceira da bacia hidrográfica pois isso contribuirá para facilitar a previsão de alerta de inundações nas porções mais baixas. Além do mais, contribuirá para o planejamento de inúmeras cidades e regiões do estado que não possuem qualquer dado de precipitação em seus territórios;
- Há diversos modelos de previsão das vazões de um rio, dentre eles, modelos que utilizam a precipitação ocorrida para transformar em vazão e consequentemente em nível. Neste sentido, e com o avanço da inteligência artificial, deve-se aprimorar os sistemas de previsão de inundações/enchentes para antecipar as atividades de prevenção junto a comunidade;
- Justamente no momento mais crucial do evento dos últimos dias, o sistema automatizado da CPRM apresentou falhas e em alguns locais parou de funcionar. Prever a sobreposição de sistema de medição dos níveis das águas para não “ficar às escuras”;
- Planejamento:
- Realização de estudos detalhados para mapeamento das áreas de risco de inundações, indicando as zonas mais afetadas pela mancha de inundação. Esse mapeamento deve ocorrer a nível de bacia hidrográfica, pois o Rio ultrapassa as fronteiras dos municípios. Além do mais, deve-se criar planos de ação para evitar, reduzir e mitigar os danos a vidas humanas e prejuízos socioeconômicos e ambientais. Inclusive, deve-se realizar a realocação das residências e edificações mais afetadas com possibilidade de utilização para outros tipos que não coloquem em risco vidas humanas e diminuam os impactos financeiros;
- As mudanças climáticas já são realidade em vários lugares do mundo, incluindo as cidades do Vale do Taquari. Fato que corrobora com isso é as recentes chuvas intensas e inundações no inverno corrente, e as secas severas nos dois últimos verões. Neste sentido, os municípios devem atuar com prevenção e mitigação dos efeitos e criar Programas e planos de ação para melhor convívio com as mudanças climáticas;
- Proteção e recuperação das margens dos cursos hídricos:
- Em muitos municípios há diversos tipos de ocupações e edificações lo0calizadas na Área de Preservação Permanente – APPs dos cursos hídricos. Na maioria esmagadora dos casos, estes locais são os mais afetados por eventos como o ocorrido. Estruturação e execução de políticas de educação e fiscalização das Áreas de Preservação Permanente - APPs;
- Outro ponto agravante é a degradação das APPs, elas atuam como barreira natural em momentos de chias dos cursos hídricos. Neste sentido, deve-se desenvolver programas de proteção, conservação, recuperação e restauração de APPs;
Nós, da DuoTeB Engenharia ficamos a disposição para discutir o assunto e avançarmos. Entendemos que é tempo de ação e execução para evitar novos acontecimentos como este.
Caloroso abraço a todos.